Pioneiros no Brasil, marca do ateliê é a combinação harmoniosa de aspectos estéticos e técnicos
Cansado da guerra e do espírito bélico alemão, Conrado Sorgenicht (1835-1901) procurava um lugar de clima quente para se livrar das dores do reumatismo. Em 1875, ele chegou ao Brasil, aos 39 anos. Trazia a mulher e os quatro filhos. Sem conseguir trabalho, ficou algum tempo em Cananeia, litoral paulista, até se mudar para São Paulo, onde instalou pequena oficina de pintura decorativa de residências.
Oriundo de uma região de vitralistas, Conrado percebeu a ausência de vitrais no país. Decidiu investir neles: em 1889, inaugurou a Casa Conrado. Sorgenicht nem era artista, fazia vitrais a partir de técnicas que vira em igrejas góticas, seguindo os desenhos de artistas convidados.
Assim começou a história do vitral feito no Brasil. A empreitada do patriarca Sorgenicht teve continuidade com o filho caçula, Conrado Sorgenicht Filho (1869-1935), e o neto Conrado Adalberto Sorgenicht (1902-1994). O primeiro assumiu o ateliê-oficina depois da morte do pai e aprofundou o padrão de excelência, aclamado ainda hoje. O outro cuidou de difundir a respeitada marca pelo país. Vêm da grife Conrado dezenas de conjuntos vitrais que se destacam pela qualidade técnica e artística. Até hoje podem ser admirados em várias cidades brasileiras.
Duvida? São de lá três monumentais patrimônios de Belo Horizonte: os vitrais das igrejas do Carmo, no Bairro Sion; São Francisco de Chagas, no Carlos Prates; e do Santuário São Judas Tadeu, no Bairro da Graça. “Pinturas de luz”, define Regina Lara Silveira Mello, professora de desenho industrial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, em São Paulo, neta de Conrado Aldaberto Sorgenicht e autora da pesquisa, ainda inédita, Casa Conrado:100 anos do vitral brasileiro, primeira obra sobre o tema.
A marca do ateliê, explica ela, é a combinação harmoniosa de aspectos estéticos e técnicos. Chamam a atenção outras características: o trabalho com vidro, a delicadeza dos desenhos e a valorização da cor. A exuberância do colorido, observa ela, veio do encanto do fundador da Casa Conrado com a luminosidade tropical. Ele encontrou no Brasil a luz que não conhecia na Alemanha, como registrou num diário. “Ele passou esse sentimento nos vitrais”, enfatiza a pesquisadora.
As obras tiveram origem em parcerias da oficina com artistas, trabalhos a pedido deles e encomendas de instituições. A produção segue três linhas: vitrais sacros (maior e mais constante), para residências e para edifícios públicos. “É um trabalho pioneiro no Brasil, que formou a cultura do vitral”, explica Regina Mello. O avô era homem culto. Já idoso, subia nos andaimes das obras. O primeiro Conrado era homem extremamente católico, acreditava que o vitral favorece a oração – arte adequada a ambientes de introspecção e meditação. “Ele via esses trabalhos também como fonte de ensinamento religioso, uma espécie de catecismo”, completa.
A pesquisa, explica Regina Lara Silveira Mello, vem ao encontro do projeto de catalogação e fundamentação de pedidos de tombamento das produções da Casa Conrado. Devido à fragilidade do vidro, muito deve ter se perdido, mas ainda há considerável acervo. Isso, apesar da praga do vandalismo, reclama ela.
A especialista conta que obra importante de Conrado Filho, no Mercado Central de São Paulo, da década de 1920, teve de ser restaurada antes de ser inaugurada, como ironizava o próprio autor. Motivo: o local se tornou trincheira durante a Revolução de 1930, e os militares praticavam tiro ao alvo nos vitrais. Para Regina, só a educação patrimonial combaterá o problema.
Minas de vitrais
Três grandes conjuntos de vitrais da Casa Conrado estão em Belo Horizonte: na Igreja São Francisco de Chagas, no Carlos Prates, de 1941; na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Sion (1958-1959), e no Santuário de São Judas Tadeu (1985-1992), no Bairro da Graça.
“Conrado Sorgenicht era praticamente o único no Brasil a trabalhar com a técnica medieval”, observa o cônego Pedro Terra Filho, responsável pela campanha que resultou na instalação de vitrais na Igreja São Judas Tadeu. Vinte e um foram instalados lá ao longo de sete anos. O primeiro foi o Divino Espírito Santo, da cúpula, “sinalizando a alma da Igreja, que é o povo unido”, explica.
“Desde a Idade Média, vitral é a Bíblia dos pobres e dos analfabetos, ensina religião por meio de imagens. Cores e figuras falam, têm vida, emocionam até o mais insensível. Criam dentro do templo a atmosfera mística que permite o contato com Deus. É muito diferente de parede nua e até de pinturas, que são opacas”, explica Terra.
Pesquisadores avisam: os vitrais são percebidos com admiração, mas merecem mais atenção do que recebem. “Muitas vezes, a visão é prejudicada por grades, projetos que não valorizam o trabalho e problemas trazidos pelo abandono”, observa Maria Regina Ramos, da Oficina de Restauro. Curtir a beleza do vitral não tem mistério. O essencial, explica ela, é observar o vitral “com a consciência de que não é fácil nem simples criar cenas com vidros”.
O vitral ganha luminosidades distintas dependendo do horário. Há quem garanta que o melhor é quando o sol bate, projetando cores no espaço. Belos vitrais, informa Maria Regina, podem ser vistos na Igreja São José, no Centro da capital. Estão lá os mais antigos da cidade, instalados por volta de 1910. “Não são temáticos, mas exemplos pungentes do gótico”, observa, lembrando que trabalhos mais antigos usam vidros lisos. Ela chama a atenção para os vitrais na Igreja Santa Edwiges (Bairro Bernardo Monteiro), que necessitam de restauro.
Outras belezas são encontradas no Museu de Artes e Ofícios, na sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Centro e no Colégio Arnaldinum, no Bairro Anchieta.
Fonte: divirta-se.uai
Por: Walter Sebastião